13 de outubro de 2012

Febre de elefante



Acabei de escrever muito tarde, quase cedo. Estava cansado, mais que o de costume. O vento frio que entrava pela janela atingira diretamente minha garganta. Percebi que estava febril. O corpo doía. Deixei-me cair na cama ao lado, a luz ainda acesa. Os pesadelos provocados pela febre são sempre terríveis; também as febres provocadas por pesadelos. Se a febre é uma defesa do organismo, seria o pesadelo uma defesa da mente?

Eu era elefante. Eu não sabia, ou não tinha plena consciência disso, mas era elefante. Era difícil me mover, os espaços eram curtos. Sentia uma grossa carcaça de pele pesando toneladas sobre minhas costas. Minhas mãos e pés, minhas patas, eram como rochas. Calor, fazia muito calor. Meus olhos eram sensíveis a tanta luminosidade. Tinha sede e buscava o mar. Ninguém se incomodava com minha condição. Eu era elefante, mas não sabia. Os outros sabiam, mas não se importavam. E eu seguia pelas ruas, entre as gentes. Queria água, um banho, se possível, de mangueira. Cheguei a um ponto alto. A rua descia em ladeira diante de mim. Pude ver, no fim do declive, uma mureta que separava o passeio das ondas que arrebentavam do outro lado. Os elefantes migram? Cheguei até ali por instinto. E foi puramente instintivo o trote paquidérmico que me fez despencar desabalado do alto da ladeira em direção à mureta. Corri e quase não era mais um elefante, mas o chão ainda tremia sob meu estouro solitário. Algumas pessoas na rua me olhavam, mas apenas com uma curiosidade despreocupada. Eu me concentrava na mureta. A inclinação da descida se amainava, mas a inércia ainda me impelia como um bólido. Eu enxergava a mureta se aproximando e já não podia diminuir a velocidade. A tromba levantada, pensei sorrir, mas sobreveio um bramido que ressoou por todo o universo. Enfim, fui notado. Rompi a mureta e mergulhei no mar.

Acordei livre da febre, mas senti que havia esquecido muita coisa. A alma humana é muito frágil para suportar o peso de um elefante.

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