28 de dezembro de 2010

LEIBNIZ Gottfried-Wilhelm, 1646-1716


Sua obra é vastíssima: umas 20.000 cartas escritas a mais de 600 correspondentes; 70 volumes in-quarto de cerca de 500 páginas, na grande edição da Academia de Berlim. Abrange todos os domínios de saber e ação: filosofia do direito, lógica, matemática, linguística, análise combinatória, metafísica, teologia, controvérsias religiosas, história, física, biologia, alquimia. Leibniz sonha em criar uma enciclopédia universal, elabora projetos precisos de ecumenismo, filia-se a Rosa-Cruz, aconselha príncipes, faz amizade com princesas, torna-se historiógrafo da Casa de Hanôver. Nada de humano lhe é estranho. Nesse período de crise da consciência europeia, tem uma intuição clara do que poderia ser a Europa e percebe também o sentido e o alcance de uma expansão em direção ao Oriente.

Fonte: Dicionário dos Filósofos, Denis Huisman.

As múltiplas faces de Leibniz


SMS etéreos.com #01


- Os acentos são as flores das palavras.

- Por isso Flaubert era francês.

24 de dezembro de 2010

Avô

um e-mail

é um tipo de carta

sem sê-lo

18 de dezembro de 2010

E aí? Tropa I ou Tropa II?



Talvez não seja tarde para comentar. Fui o espectador número 6.050.423, para, duas horas mais tarde, ser também o 6.051.068. Assisti duas vezes. É aula de cinema, e muito legal de assistir porque é uma aula preparada com ingredientes nossos, embora com a receita do cinemão americano. Cinema brazillywoodiano. Parênteses, antes de começar a conversa: era na Cinelândia, no Odeon. Na terceira tentativa de ir ver o filme que muitos esperavam e que tantos iriam comentar, a calçada estava cheia. Fila na bilheteria, fila na porta da sala, gente na calçada, na praça e em toda parte. Pipoca à vontade. Cinema de rua. O balcão superior do melhor cinema da cidade aberto (e repleto) em uma sessão comercial de filme brasileiro. Excelente.

Peço licença para comparar os dois filmes. Tropa I e Tropa II. Comento os filmes (sobretudo aspectos de roteiro) e não os temas tratados no filme. Busco identificar os elementos diversos que se conjugam para conferir a força extraordinária, retumbante do primeiro filme e os que deram força não tão extraordinária ao Tropa II.

Vejamos como começa a estória desta vez: o Capitão Nascimento diz (repetindo o esquema primoroso da narração over do Wagner Moura) que "arranjou um substituto à altura no BOPE para poder viver em paz com sua família, mas que não deu certo, ele voltou aos 'Caveiras' e permaneceu lá por muitos anos". Lembremos onde a estória termina no primeiro filme: "Cap. Nascimento encontra finalmente um sucessor e se liberta de sua vida massacrante". O Tropa II não explica como se deu a volta do protagonista ao seu posto. Tropa I é baseado exatamente nisso: Nascimento consegue encontrar alguém para o seu lugar e assim pode largar a vida que leva como policial. Ele voltou para o BOPE? Toda a saga dos personagens do primeiro filme e Nascimento volta para o BOPE. OK. O filme está apenas começando e precisa acontecer, mas contornar a poderosa obsessão do personagem principal na trama do primeiro filme sem revelar seus motivos só passa batido porque estamos no começo da nova fita.

Rebelião em Bangu I. Tensão crescente. Cenas interessantes, montagem paralela com a palestra do sociólogo de esquerda. Bons recursos, bons textos. Na penitenciária, atuações bem ensaiadas (meio caricatas) e um problema que vai acontecer outras vezes no filme: a direção de arte vacilou. Reparem o Beirada (Seu Jorge) e seus comparsas. Camisa Hering branquinha, branquinha. Bandido de prisão de segurança máxima com cara de playboy?Eu não queria, sinceramente, ter me lembrado de umas cenas (que ouvi um punhado de gente comentar que se tratava do supra-sumo da atuação dramática) da Claudia Raia numa novela que ela ia em cana, ficava numa prisão cenográfica que parecia aproveitada de esquete dos Trapalhões. Daqueles cenários em que Didi Mocó atravessava a parede de isopor. Pois é, me lembrei. Sem dúvida, Tropa de Elite não parece novela, está longe daquela tosqueira teledramatúrgica. Mas poderiam ter tido mais cuidado para afastar qualquer possibilidade de associação com a estética dos folhetins televisivos. Nunca vi uma de perto, mas posso imaginar que uma latrina de cadeia não é um banheiro onde a Cláudia Raia pode, nem em sonho, colocar a buzanfa.

As cenas dos tiroteios, dos confrontos, das invasões e das situações nas favelas também estão acometidas deste pouco rigor da produção e da direção de arte. O arsenal de produção é mais pesado e rico (helicópteros para as incontáveis tomadas aéreas, gruas, travellings), mas não são os mesmos nem o rigor, nem o vigor do primeiro filme. Era coisa de suspender, cortar completamente o fôlego. As texturas, os cenários, a iluminação, a câmera alucinante de Lula Carvalho, a movimentação dos atores e dos figurantes, o figurino, tudo provocou em mim uma imersão incrível no primeiro filme. Acho que os cinéfilos mais bem preparados para decalcar o filme e para evitar a exegese a fim de olhá-lo à distância, se emaranhavam inevitavelmente na trama hiperrealista de diálogos e ações estarrecedoras. No Tropa II, não é bem assim. Basta lembrar da festinha que o vilão da história, o Major Rocha, policial miliciano da favela do "Rio das Rochas", promove para receber os políticos. Aquele pagodão me remeteu de novo, mesmo que num sopro distante, leve, para as situações em que ambientes populares são pobre e folcloricamente "retratados" nas novelas.

Padilha parece ser um diretor muito rigoroso, caprichoso e orgulhoso de suas criações. Talvez seja perfeccionista e vaidoso. Estudou direitinho seu primeiro filme, extraiu dele tudo que tinha de genial, original, cativante e procurou repetir na sequência que rodou. Mas, do ponto de vista da direção de arte e mesmo da preparação de elenco, os elementos não se orquestraram tão brilhantemente.

Vamos continuar com o roteiro. Nascimento está encarregado de controlar a rebelião, supervisionando a equipe tática liderada por seu pupilo André Matias. Chega o sociólogo defensor dos direitos humanos e se oferece para ser trocado pelos agentes penitenciários feitos reféns. O líder do motim concorda. A troca é realizada. Nascimento pede calma e ressalta que tudo está sob controle. O (agora) Capitão Matias desobedece a ordem de seu superior hierárquico, invade a cela, sem motivo aparente e, em seguida, conduz a supressão da rebelião com a execução dos presos. Por que o personagem agiu assim? Mesmo admitindo que situações extremas de presos apontando armas para reféns não são o paraíso da tranquilidade, a reação do personagem foi, em grande medida, gratuita. A grosso modo, Matias age "sem mais nem menos". Para um filme que amarra tão perfeitamente suas ações, podemos ver isso como forçação de barra no roteiro.

O espectador conhece o Matias do primeiro filme, careta, idealista, homem cuja transigência moral vai sendo posta à prova no decorrer do filme e que culmina com a sua conversão em uma criatura fria, capaz de torturar e matar por um objetivo maior (combate ao crime). Essa transcendência do personagem, contudo, não afetaria em absoluto seu respeito à hierarquia. No caso de Matias, uma hierarquia em dois níveis: o profissional ("o policial respeita as ordens de seu comandante"); e o afetivo ("Cap. Nascimento é espelho para a conduta do pupilo, é seu mestre, tutor, pai profissional"). Quando, mais adiante, os dois tem de falar no ocorrido, nem tangenciam a questão da desobediência. Nascimento não pergunta; Matias não justifica seu gesto. Para mim, mais um errinho de roteiro que enfraquece o conjunto da ação. E é só depois da invasão ao presídio, que o filme "começa".

O Capitão Nascimento é, ao contrário de sua própria expectativa, aclamado pela "opinião pública", vira subsecretário de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Matias vira o bode expiatório do caso, tem a carreira na polícia arruinada e os dois rompem a amizade. Como o centro do enredo desta vez é o próprio Capitão Nascimento, os roteiristas (Bráulio Montovani e o próprio Padilha) decidiram acentuar a sua crise do personagem dilacerando sua família, afastando-o de seu filho e casando sua ex-mulher com seu inimigo político, uma figura que representa o oposto de suas convicções morais. Um recurso similar podia ser notado no filme anterior: Matias era severamente confrontado pelo círculo social onde tinha se inserido, o policial do BOPE tinha até arrumado uma "namoradinha rica, branca e maconheira".

O primeiro filme tinha um trunfo, uma sacada genial: a dicotomia constituída pelos dois pupilos do Cap. Nascimento. Um era coração e paixão, o outro inteligência e razão. Era um duelo muito intenso, que conduzia os acontecimentos da narrativa e amalgamava a atenção do público. O Capitão Nascimento desta vez estava sozinho. Seu dilema, como apontamos, centrava-se na família desfeita e no afastamento com o filho, mas o filme não explorou esta crise ao máximo. O clímax do dilema moral do policial é o flagrante do filho com maconha. Este fato terá desdobramento na cena em que os dois se reconciliam, numa sequência (muito bacana) em que os dois praticam jiu-jitsu. É legal, mas comove mesmo? Deixa o coração da gente apertado? Senti falta também de mais diálogos com a ex-mulher (Maria Ribeiro, justíssima no papel). O Tropa I equilibrou muito bem os tiroteios e porradarias ensandecidas com as cenas da vida familiar do personagem. Tinha ainda a seu favor a sacada (sagaz em várias camadas) do "nascimento" do primogênito do herói - trocas de fralda, bebê recém-nascido no colo em contraste com as mais brutas violências. Contrastes galopantes. O segundo filme não tem tanto este mérito.

Tropa de Elite II tem diálogos fortes. Tem também ótimas atuações. A exemplo do primeiro filme, Wagner Moura e André Ramiro protagonizam diálogos excelentes, principalmente a cena na cela da carceragem da PM, quando Matias está preso. Muito bom assistir Moura domar a ira de seu personagem. Capitão Nascimento não cabe em si. Quando sobe o tom de voz, Moura deixa escapar seu sotaque soteropolitano. Quando fala com o filho na luta de judô também: "não gostei foi dessa pégada aqui, ó"! É divertido. Wagner Moura caprichou demais. Com este segundo filme, ele pavimenta o caminho para instaurar uma espécie de personagem antológico da cinematografia nacional. Aí sim, desta vez, eu gostei, quando fui chamado a encontrar outra referência estética. Sua atuação me fez lembrar Marlon Brando e seu "Don Vito Corleone". Moura criou inclusive um modo de andar para seu personagem. No primeiro filme é bem sutil. Na sequência, o personagem está mais velho e seus modos estão acentuados. A cabeça levemente torta quando fala também é muito bacana: enche o personagem de personalidade.

Rocha, o vilão-mór, é asqueroso. Um tremendo filho da puta. Acho, contudo, que ele tinha como ser mais abjeto, mais repugnante, para animar mais as paixões das plateias. O governador, o Secretário de Segurança são bem razoáveis. O deputado gordinho é interpretado por um ator incrivelmente carismático e arrancou muitas risadas durante as duas sessões. Não ouso dizer que ele não funciona. Irandhir Bastos foi para mim brilhante, extremamente competente. Fico apenas pensando: de quem a galera não vai esquecer, fora o Capitão Nascimento?

A trama segue. Armas são roubadas de uma delegacia. O paradeiro das armas é um mistério. Pressão política para invadir uma comunidade dominada por traficantes, sob o pretexto de encontrar as armas, contrariando evidências das investigações da inteligência da polícia. O policial Matias é retirado do limbo da corporação porque os policiais mancomunados precisam de eficiência na expulsão dos traficantes. Eles fariam isso mesmo? Convocariam um cara que era problema quase certo por sua retidão moral para afugentar os bandidos da tal favela? Não poderia ser qualquer outra unidade do BOPE? Fragilidade no roteiro. Tudo bem, continuemos.
Quando acontece a operação, a seriedade do comandante da tropa do BOPE atrapalha os planos dos vilões. Ele busca incansavelmente saber o destino das armas e tortura o dono do tráfico para descobrir. O homem não fala porque não sabe. Atenção neste ponto: os PM corruptos vão até lá e executam o bandido. Quem está presente na cena? Policiais corruptos (Rocha, Fábio e outro) de um lado e, de outro, Matias e dois "caveiras" de sua equipe. São grupos de interesses antagônicos dentro da trama. Matias desconfia e fica puto. Pede que os dois companheiros levem o corpo do dono da favela para poder falar a sós com os policiais safados. Cobra satisfações e é executado. Os dois soldados de Matias já tinham saído do beco, mas presenciaram a execução e o início da discussão do seu chefe com o corrupto Rocha.

No que acontece em seguida vejo um furo grande no roteiro: quando o Capitão Nascimento fica sabendo da morte de seu amigo e pupilo, numa operação anunciadamente fracassada, de objetivos obscuros, fica em total perplexidade e decide investigar. De onde ele parte? De lugar nenhum! Ele vai interrogar o Coronel Fábio na saída do enterro de Matias. Caramba, é o Capitão Nascimento, policial sinistro! Ele iria certamente perguntar à galera do BOPE que participou da operação o que rolou por lá, e ia ouvir de dois deles a parada esquisita que aconteceu entre o Rocha e o Matias.

No filme, não é isso o que acontece. Ele descobre pelo filho que o roubo das armas tinha sido feito por milicianos e grampeia o telefone do deputado para ouvir detalhes de suas conversas com uma jornalista sobre o tema. Aí o filme se encaminha para seu final, com a jornalista assassinada, a escuta do grampo, o atentado contra o deputado Fraga que deixa o filho de Nascimento no hospital.

Os pontos que levanto não são nenhuma descoberta fantástica, é verdade. Aliás, com qualquer filme, por melhor que seja, dá para ficar tentando encontrar furos no roteiro. Comumente há furos tão bem escondidos que passam despercebidos. Faço apenas o exercício de pensar se uma decisão de roteiro neste sentido não tira alguma coisa da força do filme. Coloca uma pulguinha atrás da orelha do espectador, que detecta que algo não passou tão suave, suscita um estranhamento, por mínimo que seja. Por exemplo, no momento em que os dois homens de moto vem matar o deputado Fraga, que está chegando de carro com a família, eles são interceptados pelo Capitão Nascimento, um deles é baleado e aparece caindo da moto. Nascimento ainda persegue o motoqueiro e, quando volta para o carro, ignora solenemente que tem um bandido ferido deitado ali perto. O bandido, poderia, inclusive estar ainda armado e atirar contra eles. Um policial da laia do Nascimento jamais daria esse mole. Sobretudo num filme que se propõe a fazer tudo como manda a cartilha do roteiro engenhoso da narrativa clássica, estes casos são falhas. Não pensei com tanto afinco, ponto a ponto, sobre a estrutura do roteiro do primeiro filme, mas me lembro de o filme me parecer bastante bem acabado, redondo.

De qualquer maneira, Tropa de Elite II merece muita atenção e pode promover reflexão em diversos domínios da nossa vida em sociedade e no próprio contexto do cinema. Não existem ideias tolas no filme, por mais que possam problematizar apenas recortes específicos, de maneira (às vezes) um tanto estereotipada, da realidade carioca e brasileira. Há muito o que se pensar sobre o filme, sobre o tema que aborda e sobre a forma como o faz. O Brasil entra no rumo dos acontecimentos de primeira grandeza no mundo ocidental (um cinema industrial poderoso pode ser sintoma ou desdobramento disso), mas vai penar para se livrar dos atrasos causados por suas revoluções abortadas.

15 de dezembro de 2010

Qualquer coisa que pisque

Hoje acordei com uma luz piscante
deixei tudo e fui
como fosse ao teu encontro
mas era só uma luz piscante
e nem consegui te escrever

Hoje pensei que talvez pudesse te buscar
mas há tanta coisa, que nem quero falar
quero apenas que saibas:
vou atrás de qualquer coisa que pisque
de qualquer luz piscante.