21 de junho de 2010

Parar e pensar

Creio que a algumas pessoas deveria ser interditado o direito de morrer. José Saramago é uma delas. Costumo dizer que é muito fácil gostar de Van Gogh. É fácil citar um de seus quadros, referir-se ao seu estilo, ao vigor e excelência de sua pintura. É muito comum entrar na casa de um amigo e encontrar a reprodução de um Van Gogh. Tem tudo para ser kitsch, mas é justamente o oposto. Afinal, ele não tem culpa se todo mundo gosta do que ele pintou, ou melhor, se ele pintou algo de que todo mundo gosta. Van Gogh é tão bom que não pode deixar de ser admirado, reconhecido, popularizado. Isto serve apenas para dizer que Saramago é outro desses casos de reconhecimento mundial que se justifica não pela comercialização de sua imagem, de seu nome, não porque virou um produto, mas por aquilo que há de mais digno: o respeito à agudeza de seu pensamento. Comunista e crítico da Igreja Católica, Saramago não deveria ter nenhum espaço nos meios de comunicação, não deveria ser celebrado. Mas negar-lhe o respeito que cabe a um gênio seria impossível. Por isso José Saramago é José Saramago: muito mais que um escritor. Português de Pessoa, comunista e crítico, um velho sábio e incansável que descobriu como fazer mágica com palavras, na forma e no conteúdo. Abram-lhe os microfones e certamente ele falará algo que precisa ser ouvido. Seu assunto, não importa sobre o que tratasse, era sempre o mais digno. Estava sempre a pregar a paz, mas não a paz de fachada, que convém a muitos, e sim a paz verdadeira, que só será alcançada quando os homens puderem se reconhecer em si e nos demais – era isso que lhe interessava. E por isso não poupava críticas àqueles que se comprazem em iludir e mentir. Era um homem comprometido com elucidar, com falar a verdade, com fazer-nos pensar. Para fazer o mundo, disse certa vez, é preciso pensar sobre o mundo. E se faltavam idéias para um mundo diferente, Saramago preenchia com suas palavras o rarefeito espaço das idéias necessárias. Uma vez ouvi dizer que pessoas como o Saramago se alimentam de sonhos e que por isso, quando lhes é permitido, sobrevivem longamente. Deve ser verdade. No caso dele, porém, sempre vou achar que nos deixou cedo demais. Viva Saramago.

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